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MATÉRIA ESPECIAL - Tráfico de crianças nos anos 1980: família de Santos Dumont ainda luta por justiça

MATÉRIA ESPECIAL - Tráfico de crianças nos anos 1980: família de Santos Dumont ainda luta por justiça

Data de Publicação: 2 de maio de 2025 13:03:00 Portal 14B: Maria Concebida Marques teve o irmão levado da própria casa e conta ao Portal 14B como a família lida com a situação

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 Por Peterson Escobar - Repórter...

Na maioria das fotos, o que mais chama a atenção é a ausência. Entre crianças e adultos da família de dona Maria Ricardina falta Paulo… o filho, o irmão, o tio, que desde os 4 anos foi retirado da própria casa e nunca mais voltou.

Paulo César de Souza Marques é uma das crianças envolvidas em um esquema de adoções irregulares na década de 1980 em Santos Dumont e região. Estima-se que mais de 170 crianças de cidades da Zona da Mata tenham sido levadas à força para fora do país, e dessas mais de 100 seriam de Santos Dumont. Os destinos mais comuns eram Itália e França.

Um jornal da época dá ideia de como aconteciam os crimes que tinham como alvos, famílias desestruturadas, a maioria sem alfabetização e em vulnerabilidade econômica e social. O relato dá detalhes de como Paulo foi tirado literalmente dos braços da mãe, dona Maria Ricardina.

"Segundo a viúva, naquele dia Paulo César estava brincando no quintal da vizinha ao lado quando chegaram os oficiais de justiça Celso Mary, José do Patrocínio Moreira e um outro homem apenas identificado como Gerônimo, que lhe disseram estar ali para levar os seus filhos, Paulo César e Sebastião de Souza Marques. Sebastião conseguiu escapar pelos fundos e ela se atracou com os oficiais, segurando Paulo César. Por último, ela, agarrada a um dos braços da criança e os homens a outro, travou um verdadeiro cabo de guerra, mas a força deles venceu e o garoto foi levado", diz trecho.

Na sequência do relato da própria matéria do jornal, o juiz responsável da época ainda teria feito ameaças a Ricardina dizendo que iria interná-la em um "hospital de doidos" se ela não o deixasse "cumprir a lei".

Era no antigo Fórum de Santos Dumont que os casos de adoções irregulares ganhavam um ar de legalidade e uma celeridade incomum. Há exemplos de casos de adoção de crianças abertos e concretizados no mesmo dia. Segundo as investigações, o esquema contava com a participação e a conivência de autoridades como advogados, comissários, oficiais de justiça e até mesmo do juiz da época, além claro de cartórios da cidade. 

"Parecia que o fórum somente vivia em função das adoções, o que obrigou ao presidente da ordem dos advogados — Seção de Santos Dumont — a denunciar, em documento assinado por quase todos os profissionais da cidade, às autoridades de Belo Horizonte, dando ciência de que os processos não tramitavam mais e se arrastaram por anos e anos, enquanto que os de adoção saíam em menos de uma semana. Sendo que houve casos de uma adoção ser feita em menos de 24 horas", diz trecho de outro jornal da época.

A maioria das vítimas em Santos Dumont morava nos Bairros Vila Esperança e Quarto Depósito. 

No início de abril de 2025, ou seja, mais de 40 anos depois  das adoções irregulares, a Justiça condenou o estado de Minas Gerais e a União a indenizarem cinco vítimas do esquema. Segundo a decisão da 3ª turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, três mães, incluindo dona Maria Ricardina, terão direito a receber R$ 500 mil cada uma. E dois irmãos de uma das crianças R$ 150 mil cada. A soma chega a quase R$ 2 milhões, porém a decisão ainda cabe recurso. 

O entendimento do juiz federal Gláucio Ferreira Maciel foi celebrado por Maria Concebida Marques, filha de Ricardina e irmã de Paulo César. Por anos ela trava uma luta por justiça e pelo sonhado reencontro com o irmão.

Maria concedeu uma entrevista ao Portal 14B e relembrou como Paulo foi tirado de casa, como a família lidou com a ausência, os desdobramentos, como a vida seguiu e as diversas tentativas de localizar o irmão que hoje se chama Paul Roghi e mora na França.

 

Fotos:Peterson Escobar

 

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