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Casos de depressão e ansiedade aumentam mais de 130% em Santos Dumont

Casos de depressão e ansiedade aumentam mais de 130% em Santos Dumont

Data de Publicação: 2 de junho de 2021 23:00:00 Estimativa corresponde aos meses de fevereiro, março e abril de 2021 e 2020. Psicólogo alerta para risco de nova pandemia relacionada à saúde mental

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Por Peterson Escobar - Repórter

Incertezas a respeito do dia de amanhã, insatisfação aliada à tristeza, sensação de impotência diante de um turbilhão de sentimentos. Esses sintomas passaram a fazer parte da vida de muitas pessoas ao longo dos últimos anos. Não obstante, o medo de perder pessoas queridas pela Covid-19 e suas inúmeras outras consequências resultam em uma sociedade cada vez mais acometida por depressão, ansiedade e com problemas relacionados à saúde mental.

Em Santos Dumont os números dão a dimensão da expansão desse quadro. De acordo com levantamento interno do Centro de Atenção Psicossocial (Caps-SD), a pedido da reportagem do Portal 14B, os meses de fevereiro, março e abril de 2021 apresentaram um aumento estimado de 133% de atendimentos relacionados à saúde mental se comparado ao mesmo período de 2020.

O Caps é reponsável, atualmente, por grande parte da demanda pública de saúde mental na cidade. Para entender melhor esse cenário, conversamos com José Eduardo Amorim, presidente da Coopsa, cooperativa que presta serviço ao Caps SD há 20 anos. José Eduardo, além de vasta experiência na área da saúde, é especializado em gestão pública, tem mestrado na área de saúde mental, é professor universitário há pelo menos 30 anos e já atuou como diretor da Superintendência Regional de Saúde de Juiz de Fora (SRS-JF). Confira, na íntegra, a entrevista.

Portal 14B - A que você credita o aumento nesses tipos de caso? O contexto pandêmico e suas consequências na saúde mental das pessoas está diretamente ligado a esses números?

JEA - Há pelo menos duas décadas que de forma insistente o aumento de demandas no campo da saúde mental pode ser verificado. Isso é provocado, sobretudo, pelos efeitos da contemporaneidade, ou seja, todo avanço tecnológico imposto pelo efeito da globalização e suas consequências no cotidiano das pessoas contribuiu para isso, principalmente nas relações proporcionadas pelas redes sociais.

É um movimento mundial que o Brasil também é afetado. Nesses 20 anos já era localizado um quantitativo de distúrbios e transtornos mentais que podem ser ligados a esses fatores mundiais, atrelados também às questões econômicas e sociais. Do ano passado pra cá, com a pandemia, houve uma aceleração abrupta na demanda que a gente tem começado a verificar agora. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) já confere realidade a algumas pesquisas realizadas no mundo que revelam uma pandemia pós pandemia de Covid-19. Essa nova pandemia seria relacionada à saúde mental, notadamente nos campos da depressão e ansiedade. Observamos também um aumento significativo no consumo de álcool e outras drogas.

Portal 14B - Quais trabalhos o Caps tem desenvolvido para tratar esse aumento das questões de saúde mental em SD e como a pandemia interferiu nesse trabalho?

JEA - Todas os serviços que tem atividades coletivas como vanguarda sofreram uma queda de produtividade. Nós tivemos que retomar ações ambulatoriais, que são mais individualizadas. Cresceram muito os números de consultas médicas, consultas psicológicas, acompanhamentos individuais, número de visitas terapêuticas nas casas das pessoas.

Nesse período houve atividade para os usuários realizarem em casa, isso faz parte da criatividade da equipe. Aqueles usuários que são considerados mais complexos, onde o cotidiano do Caps tinha uma relevância diferenciada pra ele, além de receber visitas domiciliares, também recebeu atividades, algo mais lúdico que auxilia a passar o tempo com menos angústia.

É inegável que houve sim modificações profundas nas condutas cotidianas do Caps. Nosso serviço é caracterizado por ações coletivas e a chamada oficina terapêutica é o grande diferencial do Centro. As ações individuais com medicamentos e acompanhamentos terapêuticos continuam com eficácia, mas as oficinas foram afetadas diretamente pela pandemia. Nós não podemos colocar em risco os usuários, os profissionais, os familiares, promovendo ações coletivas nesse momento. Porém, agora começamos a ter um avanço na vacinação e uma sinalização da volta de atividades coletivas com segurança. Nós esperamos muito a retomada efetiva dessas ações para o segundo semestre.

Portal 14B - Qual é o papel da família dos pacientes nesse processo?

JEA - A participação familiar é fundamental em todos os aspectos. Uma quantidade muito significativa de usuários costumam nomear o Caps como a segunda família deles. Em situações mais dramáticas, onde percebemos uma desestrutura familiar maior, o Caps é considerado a primeira família. O usuário chega de manhã, toma café, faz atividades no período, almoça, faz atividades à tarde, toma café e vai embora. Às vezes, esse retorno pra casa é até uma tristeza pra ele. Isso significa que o Caps sempre teve um trabalho paralelo familiar para essas pessoas. Então durante a pandemia, nas situações em que as famílias são estruturadas, nós estreitamos ainda mais os laços. Já nas outras situações mais vulneráveis, nós demos uma atenção maior para as visitas.

Portal 14B - Esse trabalho tem sido satisfatório?

JEA - Ainda é cedo para fazer uma avaliação do que a paralisação dessas atividades podem ter causado no ambiente do Caps. De alguma maneira, nós conseguimos minimizar a ausência cotidiana daquele usuário. Aqueles que deixaram de frequentar o Caps cotidianamente, passaram a ter um outro tipo de assistência. Só quando eles começarem a voltar pro Caps, conseguiremos avaliar se essa assistência foi benéfica ou não. No entanto, por incrível que pareça, não tivemos nenhum tipo de registro grave de situações em que essas ações substitutivas foram aplicadas. O segundo semestre vai ser revelador.

Portal 14B - Você acredita que há uma sobrecarga de trabalho em cima desses profissionais do Caps? 

JEA - Não foi detectado nenhuma situação de estresse. A Coopsa tem um trabalho para justamente detectar alguma situação profissional que possa estar sendo produzida. Nós estamos passando por um momento de aumento expressivo da nossa demanda e a Prefeitura sabe disso.

Santos Dumont já aderiu a um plano do Governo Estadual e do Ministério da Saúde de complementação de profissionais do Caps por seis meses. Em breve aqui na cidade, creio que no segundo semestre, vamos ter esse auxílio nesse sentido. São categorias profissionais que o MS já detectou a necessidade como: psicólogo - talvez o profissional mais requisitado -, médico de psiquiatria, médico com formação na área de saúde mental e um assistente social. Só estamos no aguardo das resoluções finais com a Secretaria de Saúde.

Atualmente a equipe do Caps conta com pouco mais de dez pessoas, entre psicólogos, enfermeiros, auxiliar administrativo, médicos e outros. Trabalhamos em Santos Dumont com uma porcentagem pouco superior à chamada equipe mínima. Do ponto de vista qualitativo é uma equipe altamente capacitada, bem formada, absolutamente diferenciada e gente com experiência.

Portal 14B - No mês de maio foi celebrada a Luta Antimanicomial. No contexto brasileiro atual, qual é a importância de defender essa bandeira?

JEA - Minas Gerais teve um papel muito importante na luta pela reforma psiquiátrica. Todo aquele processo de reivindicações desde a Carta de Bauru, passando pela Lei nº 10.216 de 2001, conhecida como Lei Paulo Delgado, resultou numa mudança muito grande no panorama dessa área. Isso representou o início de tratamentos mais humanizados, valorizando a liberdade, a criatividade, a participação, a diferença, consagrando o serviço do Caps.

Então é importante a cada a ano a gente comemorar essa data. Digo tranquilamente sem risco nenhum que um dos grandes ícones de todo desse movimento todo é o Caps.

Imagem da Galeria José Eduardo Amorim - Presidente da Coopsa
Imagem da Galeria Foto: Divulgação
Imagem da Galeria Foto: Divulgação
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