Português (Brasil)

Pinturas em muros de São João da Serra reforçam a identidade do local

Pinturas em muros de São João da Serra reforçam a identidade do local

Data de Publicação: 6 de setembro de 2021 16:53:00 Arte feita por Carla Amorim conta com o apoio e participação dos moradores do distrito. Professor de história destaca papel da obra de arte na sensação de pertencimento e na memória da comunidade

Compartilhe este conteúdo:

Por Peterson Escobar - Repórter

Uma vaca, uma fazenda, um João de barro, um cruzeiro. À primeira vista, tudo muito trivial, aparentemente sem muito sentido. Contudo, quando se juntam, são elementos que ajudam a contar a história de São João da Serra, na Zona Rural de Santos Dumont. Nessa semana, a professora da rede estadual de ensino e artista plástica Carla Amorim, finalizou a primeira parte do trabalho que promete colorir o distrito sandumonense.

Quem chega ao local, a partir de agora, logo se depara com a arte nos muros da Cooperativa que abriga os tanques de leite na comunidade. A ideia de dar tons mais vivos e alegres ao distrito partiu de Antonio de Carvalho, professor de história e morador de São João da Serra.

"Essa ideia surgiu a partir do que a gente observou que a Carla estava fazendo no município. Como ela tem um vínculo com a Serra, eu fiz o convite e ela de pronto animou. Desde o início conversamos sobre a necessidade que a intervenção artística dela dialogasse com a identidade e memória do local, explorando a ruralidade" conta o professor. 

Carla tem algumas artes em murais espalhados pelo município, inclusive em Conceição do Formoso, outro distrito sandumonense que recebeu o colorido da artista. O trabalho, de uma forma ou de outra, acaba contando com a participação da comunidade. E justamente o ato de conversar com os moradores e descobrir o que eles querem ver representado nas artes é um ‘modus-operandi’ de Carla. Há quem chame esse momento de "brainstorm" (tempestade de ideias), mas na Serra o nome é outro.

"Aqui é 'toró de parpite', brinca Antonio, que segue: "então o pessoal foi falando dos vários signos: caminhão de boi, café, fogão de lenha, produção de leite, cruzeiro, religiosidade. O interessante é que ninguém quis Alberto Santos Dumont, asa, Museu Cabangu, o que tem mais a ver com a sede e é mais descolado do distrito".

As opções pelos signos que remetem à própria comunidade notabilizam a personalidade dos moradores do distrito.

"A ideia é justamente essa, trabalhar com esse patrimônio simbólico não só da Serra, mas que é comum a esse universo rural de Santos Dumont, vinculado a outra temporalidade: ao sossego, à casa de vó, à religiosidade enfim. As pessoas ao olharem o mural, percebem o ambiente que elas estão e os moradores reforçam a percepção de identidade. A comunidade reconhece esse patrimônio social como sendo dela", explica Antonio.

Durante o processo de Carla, é comum que as pessoas parem e, instigadas pela curiosidade, perguntem sobre a obra. Há também os que além de uma boa conversa, se aventuram a participar com a mão na massa, ou melhor, no pincel, tornando a obra colaborativa na prática: "Quando a comunidade quer participar, chega e pede, eu permito. Porque eu gosto muito que as artes tenham um significado para as pessoas do local", conta Carla, que faz o trabalho de forma voluntária, recebendo apenas o material que será utilizado na obra.

A artista conta que o trabalho não acabou e pretende voltar ao distrito para complementar a segunda parte. Agora, o muro da vez será o do Posto de Saúde, que irá receber pinturas que vão remeter à religiosidade do local.

Fejão du vermeiu muntu bão

 

Até mesmo a história de uma placa famosa em São João da Serra voltou à tona com a nova intervenção artística de Carla Amorim. Há anos, quem alguma vez foi até o distrito, invariavelmente, se deparou com uma placa que dizia: "Fejão du vermeiu munto bão. 6 reaiz". Os dizeres carregados com traços característicos da oralidade mineira fez sucesso, até que a placa fosse retirada da cerca. Porém, Carla fez questão de resgatá-la numa releitura. 

"Como eu tinha uma casa na Usina e sempre ia até a Serra, via aquela placa. Aquilo pra mim ficou marcado, fiz fotos na época, essa placa ficou por lá muitos anos, mas não está mais lá. Quando eu fiz a arte pra trazer a identidade do local, eu lembrei da placa e coloquei dois sacos de feijão no muro" conta.

Mas o melhor está por vir: "Quando comecei a esboçar a placa, o Antonio me alertou que tinha um morador que ria toda vez que passava pela pintura. Eu passei a perceber, mas não entendia. Depois que descobri que era um rapaz conhecido por Dudu, que havia criado a placa original. São histórias como essa que me dão gás pra fazer esse tipo intervenção".

Quem mora no distrito garante que mesmo apenas com uma parte finalizada, a obra já é sucesso. "A recepção está sendo muito boa, o pessoal me chama, quer as artes também em outros lugares, todo mundo tem uma sugestão pra dar. A arte da Carla tem um poder gigantesco pra trabalhar a autoestima e o pertencimento. Divulgar o patrimônio, a memória do local através desse tipo de obra é um movimento muito forte para poder criar esses laços. Justamente em um momento que a gente vê sobreposição do universo urbano sobre o rural", conta Antonio.

Estilo e objetivo com a arte

Embora Carla Amorim não tenha formação acadêmica em artes plásticas, a sandumonense tem anos de experiência em cursos sobre mistura de tintas, técnicas de pintura e afins, ministradas pela artista Angela Pelizzoni. Além disso, Carla conta com ajuda e inspiração, do agora também amigo, Andruchak. 

Até 2017, Carla se dedicava mais ao óleo sob tela. De lá pra cá, ela passou a pintar muros e coleciona artes nas escolas Polivalente e Joana Cunha, na Igreja de Santa Rita de Cássia, no bairro das Flores, além do trabalho de grande destaque no muro do antigo lactário, intitulado de "Petit Santô"

O estilo da artista é a Arte Naïf, que é um termo usado para designar um tipo de obra popular e espontânea. "É um estilo de arte um pouco mais ingênuo, parecido com desenho de criança, desenhos com traços simples, desenhos do cotidiano. Mas o que difere mesmo é que eu conto uma história através dos desenhos", explica Carla.

E são justamente com essas histórias que Carla pretende se conectar com o público que vê e se relaciona com a sua arte: “Quando você vai numa galeria, você vai pra trocar uma experiência artística. A arte conversa com você, você se insere naquele contexto. Eu considero que os murais são galerias a céu aberto, então os elementos que coloco naquele local é para que as pessoas identifiquem a história que está sendo contada".

Para a artista, uma das principais missões que ela carrega consigo é de levar alegria por onde passa, principalmente nesse momento em que o Brasil atravessa.

"É gratificante saber que eu estou trazendo alegria pra alguém hoje, principalmente agora nesse momento de pandemia e muita tristeza. Às vezes a gente fala que tá tudo bem no automático, mas não tem como estarmos bem num país que as pessoas estão passando fome, que tem mais de 500 mil mortos por essa doença, é um período muito doloroso."

Compartilhe este conteúdo:

  1 Comentário

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Envie seu comentário preenchendo os campos abaixo

Nome
E-mail
Localização
Comentário

Parabéns a todos envolvidos ficou muito bom .